sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

CRISTIANISMO E SOCIEDADE

Os cristãos na sociedade.
Fico feliz com os sinais das mudanças no âmbito religioso que abrem novos horizontes e discursos, mas ao mesmo tempo fico com medo de como isso será ministrado, de uma forma democrática ou ditatorial. Obviamente que um culto religioso é diferente de uma aula religiosa. Os cultos são assistidos por pessoas que de livre espontânea vontade ouvem e acordam tacitamente com o que é falado pelo discursador, já uma aula implica em explicar as varias versões da história sempre primando pelo livre pensamento e direito de expressão. Quando o exercício de lecionar abrange o debate com as diversas áreas do conhecimento mediante uma mesa discursiva a aula acaba sendo mais dinâmica, interessante e é claro mais democrática.

Cristianismo e sociedade se fundem na cultura ocidental desde a época da colonização com a catequese imposta pelos padres jesuítas aos índios. Dentro da cultura cristã as varias correntes do cristianismo estão intimamente ligadas as questões sociais, por exemplo, os católicos mantém um Estado sob seu controle, sua autoridade máxima, o Papa, é ao mesmo tempo líder religioso e político e já teve mais poder do que reis de outrora; os cristãos detém partidos políticos e os espíritas com sua dedicação a caridade realizam um trabalho social importante; dentre outras coisas realizadas socialmente pelas várias doutrinas cristãs. O pensamento “cidadão do céu” não exime ninguém dos problemas sociais do cidadão terreno. Agora a respostas se cristãos devem se preocupar com as questões sociais parece lógica, sim.

A companhia de Jesus fundo o colégio de São Paulo, em
Piratininga, em 1554. Na imagem o Padre José de Anchieta.
A Igreja ocupa um lugar histórico na sociedade de amparo e apoio a educação, com a fundação de escolas e universidades, nas ciências em geral pelos próprios jesuítas que eram letrados, estudiosos e verdadeiros “sacerdotes-cientistas”, também inspirou cuidados médicos, influenciou no bem-estar social, economia e ainda influencia no começo ou no término de guerras. Os problemas da dinâmica da relação cristianismo e sociedade estão quando a religião invade o campo da macro e da média política e executa, legisla e julga assuntos sociais, herança da relação com os campos da filosofia.

A mistura perigosa de filosofia e religião pode gerar seitas, que são facções, em geral religiosas, que constitui a crença de grupos dissidentes. Com surgimento do Iluminismo na França no século XVII que pregava que o pensamento racional deveria substituir as crenças religiosas e o misticismo, que bloqueiam a evolução do homem, surgem os Illuminatis, uma seita saída do cristianismo que se dedicava a impor os ideais do Iluminismo.

Apesar de o Brasil ser um Estado laico, porém sem a laicidade, os princípios do cristianismo estão presentes nos mais diversos dispositivos sociais como, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na própria constituição brasileira. As cédulas monetárias vêm com a inscrição “Deus seja louvado” apesar do conceito deste “Deus” da nota ser amplo e abstrato.

O cristianismo também regula indivíduos em suas subjetividades no âmbito da sexualidade, casamento e família, sendo assim, a Igreja de um modo geral tem o poder de encaminhar e engendrar cidadãos honrados e honestos, com valores e princípios, porém isso tudo não é regra e sim exceção, pois não se depende de religião e igrejas para incutir essas qualidades no Eu.

A experiência de cristianização social cria um dispositivo regulador e normalizador chamado cristonormatividade, que vai funcionar nas mais diversas áreas e até em sujeitos que não escolheram essa doutrina para si. A cristonormatividade é a ferramenta mais usada no fundamentalismo religioso para definir quem é pecador em oposição ao que é santo, logo, um ideal inacessível em vida, o que leva ao processo de êxodo religioso e não apostasia, que por sua vez cria ateus agnósticos.

Por fim, o cristianismo deve se envolver com trabalhos sociais promovendo a mudança da sociedade, a resolução de problemas das relações humanas e promovendo a capacidade e aptidão das pessoas de forma a terem o seu bem-estar, e não em políticas sociais que são ações do âmbito governamental desenvolvidas em conjunto por meio de programas que proporcionam a garantia de direitos e condições dignas de vida ao cidadão de forma equânime e justa, o que não impede a discussão das mesmas a fim de garantir e afirmar as convicções religiosas do coletivo. A separação do Estado da religião, apesar de ser uma linha tênue no debate cristianismo e sociedade, é fundamental para manter a seguridade do que se crê e da liberdade individual.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CRÍTICA AO FILME: "ALÉM DA FRONTEIRA"

Cartaz do filme.
O filme “Além da Fronteira”, um romance dramático, dirigido por Michael Mayer e lançado em 2013, conta a história de amor de dois jovens, Nimer (Nicholas Jacob), um palestino que estuda em Israel, e Roy (Michael Aloni), um advogado israelense.

Está para ser criada ainda uma história com tantos conflitos que extrapolem o romance romântico. O filme traz uma releitura contextualizada e muito mais conflituosa do caso Romeu e Julieta, pois atinge vários pontos de atrito da realidade judaico-palestina. Além do afeto punível com a morte do lado muçulmano, há também conflitos religiosos, que se mistura aos conflitos culturais e étnicos, que se arrastam deste Caim e Abel, Isaque e Ismael, Jacó e Esaú, e conflitos sociopolíticos eternizados na busca por territórios.

Israel é um país onde as fronteiras são muito mais psicológicas do que físicas. Apesar de haver muros, que são símbolos da segregação de pessoas, que sim, são capazes de amar umas as outras independente da religião, deixa passar em suas fronteiras, com devida autorização, jovens palestinos que, ao contrário de seus compatriotas radicais, acreditam que o estudo e a educação promovem a paz mais eficazmente do que a guerra. Isso leva a um processo conhecido como “fuga de cérebros” que desabona ainda mais a Palestina e seus cidadãos.

O conflito judaico-palestino deixa marcas de sangue
em ambos os lados.
Essa é a situação vivida por Nimer que em busca de um futuro melhor consegue uma autorização estudantil para entrar nos territórios israelenses. A partir daí ele começa a ser vitima da desconfiança de sua família, principalmente de seu irmão mais velho, um rebelde militante que acredita no poder das armas como ferramenta para a liberdade.

Em uma das noites em Israel ele visita uma boate gay onde trabalhava um amigo palestino Mustafa (Loai Nofi), e acaba conhecendo Roy, que diferentemente dele tinha uma vida estável, um trabalho descente no escritório de seu pai e uma família estruturada. A partir de então os dois começam a ter um relacionamento aberto do lado judeu e fechado no lado muçulmano.

Os personagens principais Roy (Michael Aloni)
e Nimer (Nicholas Jacob).
O medo e o preconceito fizeram com que os recém-parceiros levassem esse relacionamento dentro dos limites do armário o que aumentou ainda mais a desconfiança da família de Nimer e que atraiu a atenção do serviço secreto israelense, que confisca a autorização estudantil de Nimer, e entrega Mustafa, que trabalhava como agente duplo, nas mãos dos militantes palestinos que por fim o executam quando ele deixa de ser interessante aos seus planos. A homossexualidade de Nimer é descoberta e ele é expulso de casa.

Encaminhando já para o fim do filme, Nimer na condição desproporcional de “ameaça ao estado israelense” e de “traidor” pelos militantes palestinos se vê acuado em um campo minado, Roy tenta de tudo, através de seus contatos, conseguir um visto de permanência e até mesmo de refugiado e posterior asilo político, porém sem sucesso.

O fim do filme é vago, porém revela a força do amor e os caminhos que ele encontra para efetivar-se. Diferentemente dos romances conflituosos esse não acaba em sexo nem em morte, mas com um toque de neutralidade e incertezas. Enfim a solução para Roy e Nimer é extrema, mas inevitável.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

29 DE JANEIRO - DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE TRANS

Na última quinta-feira (29) celebrou-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans como mais um ato de afirmação por parte de travestis e transexuais de que eles existem e são sujeitos de direito. Como presente o município de São Paulo através de seu prefeito Fernando Haddad lançou o projeto ‘Transcidadania’ que prevê bolsas de estudo de R$840,00 para travestis e transexuais que voltarem a estudar.

É importante ressaltar que bolsas de estudo são diferentes de cotas. As bolsas visam contribuir para custear, entre outras coisas, as despesas de alojamento, alimentação, transporte e material escolar, como um incentivo ao estudante no trato com os estudos e para evitar a defasagem escolar. As bolsas podem ser atribuídas de duas maneiras, a primeira delas, onde os personagens desse projeto se encaixam, é através de um critério socioeconômico, pois os travestis e transexuais ocupam uma posição de vulnerabilidade social. O segundo critério é o acadêmico, onde bolsas de mérito são dispensadas mediante exame de proficiência, geralmente são aplicáveis a universidades e escolas técnicas. As cotas seguem um critério étnico como uma forma de ação afirmativa, algo para reverter o racismo histórico contra determinadas classes.

Toda pessoa independente da
sua identidade étnica tem plena
capacidade de estudo. Basta querer,
a cor da pele é diferente, mas o
cérebro é o mesmo.
Dentre as poucas coisas que sou contra as cotas são uma delas, pois a própria cota é uma institucionalização do preconceito. O compartilhamento social do preconceito étnico e sua reprodução histórica não impede que minorias sociais ingressem numa instituição de ensino, na verdade deveria funcionar como incentivo ao estudo. Não existe equidade de direitos no sistema de cotas.

Enfim, as pessoas trans por ser como são, acabam na margem da sociedade ao abandonarem os estudos, muitos dos travestis e transexuais param de estudar no ensino fundamental justamente pelo bullying perpetrado por seus colegas, e por não terem estudo não conseguem um emprego decente, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna.

O desamparo social empurra esses sujeitos ao submundo do trabalho, muitos dos travestis e transexuais partem para a prostituição como meio de ganhar a vida. A violência que vivenciam se repete de forma sistemática, seja pela exclusão no mercado de trabalho, ou pelas humilhações no ambiente escolar, ou ainda a total rejeição social a que são inferidas, violações que terminam muitas vezes em assassinatos.

O projeto ‘Transcidadania’ além de proporcionar o acesso aos ciclos básicos da educação promove o acesso aos Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) e cursos técnicos profissionalizantes. Na área da saúde o projeto disponibiliza nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) tratamentos hormonais gratuitos. Socialmente o projeto reforça a importância do uso do nome social nos processos de sociabilizarão.

A iniciativa dará prioridade a pessoas em situação de rua, que não tenham concluído o ensino médio ou com ensino fundamental incompleto. Para participar, é preciso estar desempregado e ter residência fixa em São Paulo. Além disso, o beneficiário não pode ter tido registro na carteira de trabalho nos últimos três meses.

Continuamos na busca incessante pelo combate à discriminação contra travestis e transexuais e na busca do reconhecimento e respeito à identidade de gênero dessa população.